Mensagem de Quaresma do Bispo Primaz: “De quem somos anjos?”

“E os anjos o serviam” Mc 1,13
Minha última viagem a Londres tem me trazido a oportunidade de refletir sobre as pessoas que carregam consigo as marcas da rejeição e da exclusão. A Consulta sobre o tema da superação da violência sexual contra as mulheres e a experiência de assistir um morador de rua chorando por ajuda acompanhado de seu fiel cão de estimação numa das ruas do centro financeiro londrino me fizeram aprofundar ainda mais um senso de deserto que percebo em nossa sociedade. O deserto é solidão, carregada de temores e de dores. O próprio Jesus viveu a experiência do deserto e precisou ser confortado pelos anjos. Para ele, o teste da resiliência lhe exigiu a própria exaustão física e também espiritual. Sua fidelidade ao Pai, no entanto, foi compensada pela ajuda dos anjos (Mc 1,13).
Então aqui vai a pergunta que não quer calar: de quem temos sido anjos? Estamos cercados de tanta gente que vive um deserto pessoal, em meio aos desafios da sobrevivência, encalacrados num sistema que tudo consome e que pouco dá em troca; e quando dá, geralmente não é coisa perene.
O que temos feito diante disso? Estamos sendo anjos de verdade? Quando foi a última vez que tivemos a sensibilidade de nos incomodar com a injustiça? Estamos realmente prontos para o exercício da solidariedade para com as pessoas excluídas? Faz parte da cultura de nosso sistema as pessoas demonstrarem que estão bem, que são bem sucedidas, que estão sempre em ascensão….
No fundo a realidade não é assim. Nossas ruas e praças estão cheias de pessoas que vivem um terrível deserto. Eu não vou enumerar aqui os grupos porque são numerosos. Até os vemos, mas instintivamente não os enxergamos. Podemos ser anjos e levar conforto e autoestima a essas pessoas, lutar por seus direitos e ser voz para as pessoas silenciadas. Transmitir a elas o amor de Deus. Levar as Boas Novas.
Que esta Quaresma se converta em período de profunda avaliação de nossa missão no mundo. Que possamos entender o verdadeiro significado da Cruz assinalada em nossa testa com cinzas. Que possamos nos sentir a inequívoca interdependência com nossos semelhantes e que possamos servi-los e confortá-los como sempre desejamos que nos façam a nós quando vivemos os nossos próprios desertos.
A Igreja existe para servir o mundo. Vamos nos tornar anjos?
++Francisco
Bispo Primaz da IEAB
Fonte: http://sn.ieab.org.br/

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