Opinião: “Um dia sem Deus” - parte 1
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“O senso comum diz
que religião não se discute, mas a julgar pelas últimas semanas – últimos tempos,
melhor dizendo, para ser mais exata, sendo mais vaga – parece que não se fala
de outra coisa. Mesmo para aqueles que não creem, é difícil negar que Deus seja
(ou pelo menos esteja) onipresente. Na arquitetura das cidades despontam
templos novíssimos cada vez maiores e mais extravagantes, dentro dos quais se
aprisionam os políticos mais poderosos de um Estado laico. Deus é ostentação. Crucifixos
e bíblias ocupam paredes e púlpitos dos tribunais e câmaras, no lugar sagrado
que deveria se reservar à Constituição brasileira. Deus é lei.
Redes de TV exibem ininterruptamente programas
religiosos que, sempre em nome de Deus, não cessam de gritar pelo demônio, eleger
e perseguir inimigos. Deus é fúria. A revista de moda dá dicas de como se
vestir para ir ao templo. Deus é fashion. Um suposto líder religioso afirma que
assassinatos e acidentes fatais de figuras públicas foram o resultado de
afrontas a Ele. Deus é vingança. Na banca de rua onde se vende uma iguaria da
cultura afro-baiana, anuncia-se: “Acarajé de Jesus”. Deus é fraude. No caminho
para o aeroporto, pregado numa árvore, um cartaz lembra, ameaçador: “Só Jesus salva”.
Deus é exclusividade.”
Texto extraído da seção Cotidiano, Revista Muito A Tarde, edição 135, de 12/10/14. Por Moema Franca (moema.franca@gmail.com).