A Bíblia na barbearia: modos de interpretar as Escrituras
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Fui ao barbeiro. Como nossa visão é seletiva, observei
imediatamente que havia algumas edições diferentes das Escrituras nas
prateleiras. Então, para estabelecer comunicação, já que era a primeira vez que
eu ia ali, perguntei:
- Você é católico ou evangélico?
Eu já havia percebido que ele era evangélico, como de fato
ele me perguntou, mas valia a pergunta. E ele replicou com uma pergunta
congênere, à qual respondi:
- Sou anglicano.
E logo tive que ir explicando o que era a Comunhão
Anglicana. Como era de se esperar, o camarada ficou meio sem entender que
católico e protestante não são termos excludentes. Mesmo explicando que católica
é uma propriedade da Igreja de Cristo, antes de ser o nome de uma denominação
cristã.
Perguntei, então, qual era a denominação cristã dele e ele
me disse um nome que não guardei na memória, mas que logo entendi se tratar de
um ministério local, independente de qualquer denominação cristã antiga. E ele
foi logo me dizendo que a comunidade se fundamenta apenas no que está nas
Escrituras “e nenhum líder é maior do que o que está no Texto Sagrado”, me
confessou. Por isso, ele estudava diversas traduções da Bíblia, inclusive
católicas. E, de fato, percebi que ele conhecia as Sagradas Escrituras, para
além da compreensão literal que povoa a maioria das comunidades evangélicas.
Então era a minha vez de falar. Confirmei que, na Comunhão
Anglicana, a Bíblia é a principal autoridade, mas que sua interpretação se dá
mediada por outras realidades, o famoso tripé teológico Bíblia – Tradição –
Razão, já que não temos no texto todas as informações para compreender o que a própria
passagem significa. Ele enganchou na palavra Tradição, mas depois de explicado,
compreendeu e concordou. Como falei, ele estava muito além da tradicional
interpretação que muitas comunidades evangélicas fazem da Bíblia.
Sei que, se eu desdobrasse todos os termos a que pode chegar
esse método de interpretação, ele pararia, estacionaria na concordância. É que,
além de um modo de interpretar a Bíblia, ele está inserido numa tradição da
qual não pode se desprender, que é a tradição evangélica neopentecostal estabelecida
no Brasil.
Aguardem cenas para as próximas idas ao barbeiro.
Professor Adriano Portela dos
Santos